O BARCO DO BRICS+ E O PARADOXO GEOPOLÍTICO BRASILEIRO
O ENCONTRO DO BRICS SEM XI JINPING AINDA SERÁ UM ENCONTRO DO BRICS?
CONSIDERE SE TORNAR MEMBRO PAGO NO PLANO ANUAL E TER ACESSO A PODCASTS E ENSAIOS EXCLUSIVOS
É de conhecimento geral o chamado paradoxo do Barco de Teseu, que consiste em um experimento filosófico no qual se questiona se um determinado objeto continua a ser o mesmo originalmente disposto, mesmo após substituirmos todas as suas peças. Mutatis mutandis, isso pode ser transposto para a cúpula do BRICS que ocorrerá no próximo mês, no Rio de Janeiro.
O bloco, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, foi expandido com cinco membros adicionais: Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. No ano passado, teve um dos encontros mais significativos de sua história. Sediada em Kazan, na Rússia, a reunião contou com a presença de Modi, chefe de Estado da Índia, e de Xi Jinping, que dialogaram e, assim, romperam o impasse de quatro anos nas relações bilaterais, congeladas devido ao conflito em Ladakh Oriental.
Esse evento histórico acabou por dar protagonismo a três países: à Rússia, por sediar o encontro; à China e à Índia, pelo restabelecimento do diálogo entre duas potências ascendentes. Neste ponto da história, estava cada vez mais claro o posicionamento do BRICS+ no mundo multipolar que está em construção.
O bloco é, de certa forma, a reserva de valor geopolítico da China. É parte de sua estratégia política para moldar a nova geografia mundial. A decisão do Brasil de não participar da próxima cúpula, alegando conflito de agenda, é uma decisão política — e revela o enfraquecimento do país.
Primeiramente, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não aderir à Nova Rota da Seda, a maior iniciativa econômica do regime comunista chinês no século XXI. Ainda assim, o Brasil não foi o primeiro país do bloco a recusar essa adesão: anteriormente, a Índia já havia declinado, sem que isso afetasse suas relações bilaterais. O fato de tal decisão ser apontada como fator decisivo para a insatisfação chinesa com o Brasil decorre do nosso enfraquecimento enquanto player global e regional.
Em um dos jantares do Senado, onde recepcionamos Luís Santos, fundador da Alpaca Capital, o convidado nos ofereceu um insight importante sobre a exibição de força política em blocos econômicos: os países mais enfraquecidos, segundo Santos, acabam por se tornar porta-bandeiras das pautas idealizadas por aqueles que detêm o poder.
Desde o início da guerra na Ucrânia e do novo conflito entre Israel, Hamas e Irã, o governo brasileiro — e a presidência brasileira do bloco — aceitaram seu papel de porta-bandeira, sendo voz das indignações contra a Ucrânia e Israel. Esse tipo de performance representa a completa diminuição do papel brasileiro no tabuleiro internacional. Sem Xi Jinping, parece que nossa submissão não serviu aos nossos interesses.
Diante disso, estamos agora perante o nosso paradoxo geopolítico: o Barco do BRICS+. Sem as peças que sustentam esse barco, esse encontro ainda será um encontro do BRICS? Em última análise, esse encontro terá o valor dos anteriores ou será apenas protocolar? Nesse contexto, não somos capitães de um simulacro do Barco do BRICS+?